Questões de Estilo: O Fim do "Período Artístico"


Também esteticamente o “Fausto” é uma produção “incomensurável”. Ele não é nem dramático nem épico, embora ele reúna em si as mais altas qualidades de ambos os gêneros.

Na época do seu trabalho conjunto Goethe e Schiller destacaram as mais decisivas determinações do conceito para a demarcação entre dramático e épico. Eles indicaram como diferença fundamental que no épico tudo é apresentado como passado, enquanto n o drama tudo é presente. Do ponto de vista desta diferenciação decisiva o “Fausto” pode com toda razão ser chamado de dramático. Justamente o tipo de composição histórico-filosófica, “fenomenológica”, o separar uns dos outros das “personagens da consciência” prescreve imperiosamente tal preponderância do dramático. Não as transições de um grau para o outro, não olhares perspectivos ou retrospectivos são criados, mas exclusivamente o presente sensorial de um dado período. Nesse sentido o “Fausto” corresponde também à determinação posterior da estética hegeliana, que neste estar colocado sobre si plástico, neste plástico arredondamento das figuras e situações, avista um sinal da essência da criação dramática.

Corresponde de todo ao gênero de Goethe que em “Fausto” quase não ocorrem cenas cuja função fossem o criar das transições ou as justificativas do que vem. A “Cozinha das Bruxas” é provavelmente a única cena na qual este tipo de coisa, a transformação do homem maduro Fausto em jovem é representada. Senão nós somos sempre colocados diante do fato consumado do grau mais alto do desenvolvimento, que se tem então de reconhecer – dramaticamente - das suas próprias forças, que se desdobram cênica e espiritualmente, como em si necessariamente, como organicamente brotadas das anteriores.

Cenas como a “Clássica Noite das Bruxas” ou a investidura de Fausto no IV ato da segunda parte são apenas aparentemente as transições, as preparações para o aparecimento de Helena respectivamente para a esfera de produção das últimas cenas. Ambas antes têm a sua necessidade independente espiritual e dramática; ambas representam do mesmo modo determinadas “personagens da consciência”, em si fundamentadas e em si independentes: naquela é representado o nascimento (“fenomenológico”) da beleza da antiguidade, nesta o quadro do feudalismo que se desmorona , que se dilacera a si próprio, que se entorpece em processo de desmoralização, em cujos intermundos vai crescendo o capitalismo que o devora. Não é por acaso, mas característico para o gênero de criação de Goethe, que a própria cena da investidura é tão pouco apresentada como a da libertação de Helena do submundo. Só pelo diálogo do imperador com o arcebispo, pela defesa dos poderes reacionários que inconscientemente se enfurecem nós descobrimos que ela aconteceu; só nos é mostrada, como “forma da consciência” necessária e independente, o ambiente histórico da sua origem. Até mesmo o final do além tem uma contemporaneidade sensorial, cênico-dramática. Mas paradoxalmente segue justamente destes princípios da composição autenticamente dramáticos o caráter épico do todo. Este gênero de composição é caracterizado exatamente em um diálogo entre Eckermann e Goethe:

“Este ato recebe novamente um caráter totalmente próprio, de tal forma que ele, como um pequeno mundo existente por si, não se refere ao restante e só através de uma vaga relação ao anterior e ao seguinte une-se ao todo”.

“Ele estará assim”, dizia eu (Eckermann, G. L.), completamente na categoria do restante; pois no fundo o Auerbachsche Keller (o Porão de Auerbach), a Hexenküche (a Cozinha das Bruxas), o Blocksberg (o Monte das Bruxas), o Reichstag (o Parlamento), a Maskerade (a Festa de Máscaras), o Papiergeld (o Papel Moeda), o Laboratorium (o Laboratório), a clássica Walpurgisnacht (a Noite de Valpúrgia), a Helena são todos por si existentes pequenos círculos do mundo, que encerrados em si, talvez atuem um sobre o outro, mas então quase não dizem respeito um ao outro. Ao poeta importa, exprimir um mundo múltiplo, e ele utiliza a fábula de um herói famoso meramente como um tipo de fio contínuo, para em seguida enfileirar um ao outro o que lhe apraz.” Isso também não é diferente com a “Odisseia” e com o “Gil-Blas”.

“Você tem perfeita razão”, diz Goethe, ”também depende simplesmente em tal composição de que as massas isoladas seriam consideráveis e claras, enquanto isso como um todo permanece sempre incomensurável, mas justamente por isso como um problema não solucionado atrai os seres humanos sempre outra vez para repetida observação”.

Isto não é nenhuma justificação posterior da obra já quase completa. Estas ordens de ideias surgem antes justamente naquela época em que Goethe põe-se a conduzir a continuação definitiva do fragmento da juventude, termina a primeira parte e começa a executar cenas isoladas da segunda parte. Em relação a estes esforços, embora de modo algum exclusivamente com respeito a eles, Goethe e Schiller destacam idealmente com clareza a diferença e a necessária interação entre os princípios épicos e dramáticos. Nesta troca de ideias Schiller chega a falar do problema acima tratado da independência das partes de uma concepção completa e vê nela uma importante característica do épico. Ele escreve a Goethe: “Para mim de tudo o que você diz torna-se cada vez mais claro que a independência de suas partes constitui um caráter principal da poesia épica”. Alguns meses mais tarde Goethe aplica expressamente este pensamento na composição de “Fausto”. Ele escreve a Schiller: ”Você, era como natural, está bastante bem de acordo com as minhas intenções e planos, só que eu me ponho mais à vontade nesta composição bárbara e penso mais em tocar as mais altas exigências... Eu me preocuparei com que as partes sejam simpáticas e amenas e deixem imaginar algo; no todo, que sempre permanecerá um fragmento, para mim deve vir a propósito da nova teoria do poema épico”.

O fundamento de visão do mundo deste modo de criação já é para nós conhecido: a posição de Goethe em relação à tragédia. Enquanto ele sentia as fases típicas do desenvolvimento da humanidade como uma série das tragédias, cuja relação e totalidade entretanto não são mais trágicas, devia brotar uma tal forma épico dramática desta compreensão do mundo, quando ela devia encontrar um criação universal tanto extensiva quanto intensiva: uma forma na qual nenhum de ambos os princípios predomina e a recíproca penetração dialética de ambos cria uma unidade ímpar e um equilíbrio dinâmico. Pois seria superficial não seguir de perto o estar entrelaçado mútuo de ambos os princípios até os mínimos detalhes, imaginar o todo de “Fausto” como por ventura uma coroa épica de dramas isolados ou como um grande drama, cujas partes são épicas. Não, cada parte é dramática, pois o destino de um tipo humano (uma fase do desenvolvimento da humanidade) se decide nele diante dos nossos olhos da dialética imanente de suas contradições interiores, e até mesmo na maior parte das vezes trágicas, pelo menos tragicômicas (somente a comicidade do porão de Auerbach cria uma exceção).Por outro lado cada parte é ao mesmo tempo também épica; pois para dar à personagem em poucas cenas o necessário reconhecimento da tipicidade de uma pessoa e ao mesmo tempo de uma fase do desenvolvimento, o meio social dos conflitos, o ambiente repousante dos assuntos sociais deve receber uma excelente completude que episodia bem além do dramaticamente exigido, além do puramente dramático. Assim completam-se as partes isoladas em pequenos mundos independentes, em uma independência, que no drama autêntico, também em sua forma mais ampla, no shakespeariano, é impossível. O episódio muito amplamente realizado é em Shakespeare certamente sempre só um ponto de transição dinâmico que por motivos desta função na formação total (e da subsequente movimentação interior e inquietação dramática da execução) nunca pode obter semelhante arredondamento independente.

Da mesma forma entrelaçam-se como um todo na formação de “Fausto” os princípios épicos e dramáticos: em um determinado sentido pode-se ver todo o “Fausto” como um esplêndido romance que se destina ao aprendizado à maneira de “Wilhelm Meister”. E como toda grande obra épica então esta “Ilíada da vida moderna” obtém toda uma série de dramas. (Isto Aristóteles já tinha encontrado e salientado em “Homero”, Schiller em “Wilhelm Meister”). Mas aqui em “Fausto” é dada a situação peculiar que tais dramas em toda a poesia não somente estão incluídos segundo o germe, a possibilidade, ma desdobram-se na própria poesia para a perfeição dramática.

Essa duplicidade da concepção total é também ressaltada através do momento por nós já salientado de um ”intermitir” do dramático nas cenas isoladas, positivamente em complexos de cenas, em que a complexidade da situação ainda é fortalecida através daquilo que também o “intermitir” do dramático tem uma forma internamente dramática. Mas não somente esta constante atualidade plástica da ação constitui o princípio dramático do todo, mas também a composição das personagens, o resumir autenticamente dramático sobre um herói que age. Fausto é na poesia a personagem mais importante, que concentra sobre si e em si todas as determinações essenciais da ação através de atos, de modo algum um mero papel tornassol para as reações aos acontecimentos, como o Wilhelm Meister – concebido de modo autenticamente romanesco e por isso sempre ofuscado pelas figuras humanamente maiores.

Este entrelaçamento mútuo e a penetração do princípio épico e dramático é uma tendência geral da literatura moderna que no “Fausto” recebeu só a sua forma mais expressiva e mais paradoxal. O drama moderno – como eu o disse repetidas vezes em outros estudos - é cada vez mais “romanceado”, e Balzac interpreta com razão no elemento dramático um importante sinal do novo romance em contraposição ao do século XVIII. Balzac refere-se principalmente a Walter Scott. De imediato isso é sem dúvida correto. Mas seria errado menosprezar e o papel de Goethe neste desenvolvimento - teórica com praticamente. Quase meio século antes do prefácio de Balzac para “A Comédia Humana” que se tornou famoso, Goethe e Schiller trataram já pormenorizadamente do necessário jogo das reações entre o épico e o dramático como marca essencial da então nascente nova literatura. E a criação de Goethe representa um papel precursor decisivo no aparecimento desta nova literatura. Nós vimos que Balzac no salientar do momento dramático no romance, que é idêntico com a historicidade consciente também do romance da atualidade, refere-se diretamente a Walter Scott. Mas não se esqueceria de que o verdadeiro pai do romance histórico de Scott foi justamente “Götz von Berlichingen” de Goethe.

A criação de Goethe, incluído o ”Fausto”, nunca pode ser entendida se não se vê nele também esteticamente a ponte entre os séculos XVIII e XIX: a conclusão, a ultrapassagem sobre si do Iluminismo e ao mesmo tempo a preparação espiritual e estética para Walter Scott e Byron, para Balzac e Stendhal.

Certamente não se pode deixar de dar conta nesta importante ligação também o profundo abismo que separa Goethe dos representantes típicos da especificamente nova literatura. A perspicácia estética do Goethe idoso não somente reconheceu a importância de Byron, Walter Scott e Manzoni, mas também a de Balzac e Stendhal já em suas obras decisivas. Entretanto Goethe significa também o ponto divisório entre a velha e a nova arte. Heine fala bem acertadamente sobre Goethe, quando ele diz que com a sua morte começou o “fim do período da arte”. (Semelhantemente Bjelinski avalia o período de Puschkin da literatura russa.) O predomínio da beleza, da harmonia no alinhamento poético nunca é em Goethe como em Puschkin uma questão puramente estética, mas uma questão do ser social e da a ele necessariamente correspondente consciência que mostra para frente. Quando na poesia ulterior o questionamento da beleza predomina sem tal resistência social que justifica a sua necessidade historicamente, deve surgir necessariamente um pálido espírito de imitação: uma arte desconexa dos grandes problemas da época.

O “período artístico” de Goethe (e também de Puschkin) está exatamente o mais distante disso. É claro que numa poesia universal como “Fausto”, na qual as maiores questões de uma enorme transição histórica são abrangidas com a profundidade por nós já conhecida, não pode ter nada a ver com o esteticismo formal. A exigência da beleza não é em Goethe mais puramente ingênua, crescida espontâneo organicamente, como na antiguidade, como (na já abrandada forma) na Renascença. Em toda espontaneidade na aspiração pela beleza essa tendência em Goethe significa também uma luta contra a sua época, contra a hostilidade à arte (a misantropia, a fragmentação da humanidade) do capitalismo que se aproxima.

Esta luta tem uma direção e uma função dupla. Goethe está empenhado em manter contra a corrente do seu tempo aquela autenticidade humana, aquele modo de exteriorização simplesmente direto, sensorialmente ingênuo, significantemente mental, simplesmente moral que determina a genuína magia da arte antiga - não formalística, não palacianamente deturpada. Mas ele sente simultaneamente que as tendências oponentes simplesmente não podem sempre ser compreendidas como mau gosto público, avidez de sensação, brutal fome material e outras coisas parecidas, mas se originam do material produzido pela própria vida que impõe ao poeta tais temas e tais formas adequadas aos temas. Ele o encara por isso como seu dever descobrir e mostrar na própria vida e na verdade nos momentos importantes da vida precisamente do seu presente, esta simplicidade do humano, esta elegância do alinhamento poético – que é sempre um reflexo do modo de viver humano - que esta beleza é também se faz realçar da vida do presente.

Passaria do limite destes estudos apresentar as respectivas tendências de Goethe no seu desenvolvimento histórico. Aqui nós devemos nos contentar com algumas observações que se esboçam. Assim deve ser salientado que entre o desenvolvimento da juventude de Goethe e seu período clássico não há neste aspecto de forma alguma uma mudança tão brusca como é descrito na maior parte das vezes na história da literatura burguesa. A saída da poesia popular que foi decisiva para a criação do jovem Goethe, baseou-se junto em primeiro lugar em Homero compreendido como poeta popular; as odes de Pindar, a tragédia grega, etc. em aí junto a Shakespeare e à canção popular do mesmo modo um papel que indica o estilo. E a alusão à antiguidade, especialmente no período do trabalho conjunto com Schiller, nunca é puramente estética, nunca parte da forma artística isoladamente concebida, mas sempre começa e acaba na consideração verdadeira da realidade, dos seres humanos e suas relações uns com os outros. As formas artísticas são para Goethe sempre somente os sumários mais universais e mais abstratos da essência humana e das relações humanas. Assim ele diz, por exemplo: “O que se chama de motivos são, portanto, no fundo os fenômenos do espírito humano que se repetiram e se repetirão, e que o poeta somente comprova como históricos”.

Dentro desta concepção do todo o antigo para Goethe ocupa um lugar privilegiado não somente por causa de sua perfeição da forma artística; não no sentido puramente artístico ele o vê como um eterno modelo e exemplo. Ao contrário: esta perfeição da forma é aos olhos de Goethe somente um consequente fenômeno dos fatos de que a essência do ser humano e das suas relações na vida da antiguidade – e por isso na arte antiga – recebeu uma expressão mais pura que no presente vivenciado por ele. Goethe vê no Romantismo que se inicia tendências desta nova confusão da vida hostil à arte, da vitalidade e com isso da arte. Seu longo ensaio sobre Winckelmann resume estas tendências na forma de uma proclamação do positivo e de uma rejeição programática do negativo. Nós citamos algumas observações nas quais as raízes do “Classicismo” de Goethe na própria vida e em seu acertado reflexo de visão do mundo e da arte tornam-se claramente visíveis:

“... pois o produto final da natureza que sempre se intensifica é o belo ser humano. Na verdade ela o pode só raramente produzir, porque às suas ideias resistem até muitas condições e mesmo para a sua onipotência é impossível demorar-se muito tempo no perfeito... Por outro lado entra agora a arte; pois enquanto o ser humano está colocado no topo da natureza, assim ele se considera de novo como uma natureza completa que em si deve produzir novamente um cume. Para isso ele se intensifica, no fato de que ele se compenetra com tosas perfeições e virtudes, chama a escolha, a ordem, a harmonia e a significação... se (a obra de arte, G. L.) foi uma vez produzida, ela está em sua realidade ideal diante do mundo, assim ela traz um efeito duradouro, ela produz o supremo: pois enquanto ela se desenvolve espiritualmente de forças totais, assim ela toma a seu cargo e enaltece todo o esplêndido, o venerável e amável, enquanto ela anima a figura humana, o ser humano sobre si mesmo, fecha o seu círculo da vida e das ações e o endeusa para o presente, no qual estão concebidos o passado e o futuro”.

Este humanismo de Goethe e do seu tempo – humanismo como o conhecimento universal e profundo do ser humano do ser físico até o social, da prática mais simples até a força motriz do desenvolvimento universal mais alto na arte e na ciência – este humanismo usa, como diz Engels, a palavra ser humano “em um determinado sentido enfático”. Este patos é um resultado da Revolução Francesa e da sua preparação ideológica através do Iluminismo. Por um lado aparecem agora todas as diferenças “exteriores” (corporativas, moderadoras das raças, etc.) como nulas diante do conceito geral, diante do ideal do ser humano concretizado humanisticamente. Por outro lado a época desenvolve a crença nas possibilidades sem limites do poder humano, da capacidade humana de reorganizar exemplarmente a si mesmo e o seu meio. “Ela (a consciência, G. L.) tem a consciência de sua mera personalidade, e toda realidade é somente espiritual; o mundo e para ele pura e simplesmente a sua vontade e esta é a vontade universal. E na verdade ela não é o pensamento vazio da vontade... mas a vontade realmente universal... “ diz Hegel na “Fenomenologia” sobre a Revolução Francesa.

O classicismo alemão enfatiza naturalmente sobretudo o lado intensiva, voltado para dentro deste desenvolvimento, correspondentemente ao caráter estético, moral, universalmente cultural da mudança e do papel do ser humano nele. O lugar central da arte e da estética - teoria e prática do “período artístico” – baseia-se assim em tal elevação do significado do ser humano, em tal exigência da sua universalidade e harmonia como o objetivo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, como a luta contra todo o velho e o novo, tanto quanto neles as tendências são eficazes para obscurecer e complicar este alto conceito. Por isso Engels delimita o emprego de Goethe da palavra “ser humano” para esse período e o separa energicamente da descorada terminologia vaga dos anos quarenta. (É evidente que mais tarde na ainda mais forte transformação das circunstâncias históricas, a distância de Goethe da real constituição do conceito tornou-se maior. Engels diz sobre essa terminologia: “Goethe a utilizava, no entanto, somente no sentido, como no seu tempo, e posteriormente também empregado por Hegel, como o predicado humanamente foi atribuído especialmente aos gregos em oposição aos bárbaros pagãos e cristãos, bem antes que essas expressões receberam por Feuerbach o seu conteúdo misterioso-filosófico. Em Goethe elas têm especialmente na maior parte das vezes uma significação muito não filosófica, carnal”.

Com base em tal visão do mundo Goethe pode revelar na vida do seu presente uma digna humanidade da estilização antigo liberal e apresentá-la agora sem a estilização artística. Esta linha dupla do Classicismo de Goethe é expressa na elegia “Hermann e Dorothea”: como exigência da própria criação poética da atualidade e ao mesmo tempo como reconhecimento do poeta de ser o último homérida. Isto é a essência da antiga “estilização” no ponto alto dessas tendências na época do trabalho conjunto de Goethe com Schiller. Por isso os versos finais do “Sparziergang” (“Passeio”) de Schiller exprimem apropriadamente essa atmosfera comum que Goethe decerto criou mais adequadamente que Schiller:

“E o sol de Homero, veja! ele sorri também para nós”

Goethe e Schiller não têm dúvida sobre isso também na época do seu trabalho em conjunto, e essa clareza aumenta ainda no Goethe que envelhece, de modo que eles conduzem um combate de reirada da verdadeira arte, de modo que eles se encontram em uma defensiva; Mas eles estão dedicados com esforços heroicos para manter as posições da verdadeira arte perante as tendências da época. Quanto mais fortemente a influência da capitalização geral avança, tanto mais difícil se torna esta luta, pois tanto menos é possível desembaraçadamente conseguir livrar com evidência a beleza desejada da essência humana da aglomeração das relações sociais que sempre se tornam mais abstratas, de ver a sua unidade apesar do desmembramento através da divisão do trabalho capitalista e criar artisticamente.

A continuação ulterior de “Wilhelm Meister” rompe por isso já os limites da possível arte épica para Goethe, e é para Goethe característico, que ele a rompa corajosamente, pois a veracidade está para ele sempre acima da perfeição da forma. Esta é valiosa para ele só como expressão da última verdade sobre o ser humano. Certamente também aqui ele não abandona a forma sem luta. Ele tenta regressar para a forma mais antiga do romance com a condução da ação muito solta e novelas independentes incluídas para expressar narrativamente de modo adequado o conteúdo que se tornou social, extraordinário, complicado. Mas esta luta estética é em vão nos “Anos de Aprendizagem”.

Em “Fausto” Goethe coloca um problema bastante específico, como nós vimos. Já o tema – a salvação da essência e somente da essência no ser humano, a salvação do gênero humano no trágico sacrifício do individual – torna impossível uma perfeição antigamente sensual: uma unidade imediata do interior e do exterior, da moral e da ação, do espírito e da sensualidade.

Já a separação precisa e clara do “pequeno” e do “grande” mundo indica esta impossibilidade. A antiguidade não conhece de modo algum tal separação. Para ela só existe o “pequeno mundo” da vida individual, até o ponto em que ela entra no “grande” (o amor em “Antigona”), e no antigo “grande mundo” as raízes da vida pessoal do “pequeno mundo” são em toda parte diretamente visíveis. Esta situação extraordinariamente favorável para a arte (já na antiguidade) perde-se com a decadência das antigas repúblicas citadinas. Mas na Renascença ela experimenta uma ressurreição de modo complicado, porém estético-humanamente imediato em Shakespeare. A luta da classe burguesa na fase inicial significa para a temática da arte uma rejeição brusca do então “grande mundo” do absolutismo feudal, ao qual o “pequeno mundo” moralmente mais puro da burguesia, estando humanamente mais elevado, é polemicamente confrontado. Esta arte que em Fielding, Goldsmith e no “Werther” de Goethe tem os seus pontos culminantes, tem um papel muito importante na construção também dos dramas da juventude de Goethe, em “Götz “ e em “Egmont”.

A revolução industrial na Inglaterra e a grande Revolução Francesa colocam, contudo, a conquista do “grande mundo” através da burguesia na ordem do dia. O Romantismo no sentido mais estrito dirige-se a estes problemas com uma consciência invertida e reacionária e por isso dá necessariamente, tanto do ponto de visa do conteúdo como da forma, reflexos distorcidos da nova situação social. Pela primeira vez em Hoffmann e ainda mais em Balzac os problemas da nova vida capitalista repugnante, os problemas do seu “grande mundo” do espírito do novo material são desenvolvidos. A nova estética e a nova arte que assim se originam saídas, portanto, do terrível e grotesco, do desfiguradamente sublime e horrivelmente cômico. É a perfeição artística paradoxalmente clássica da crescente barbárie da era capitalista.

O Goethe que amadurece está empenhado em criar a nova era fiel à verdade, assim como ela é, tanto quanto ele a entende, mas ao mesmo tempo também em descobrir militantemente neste material os elementos da beleza ainda existentes. Assim são apresentados por eles problemas da vida capitalista, sem suprimir, moderar ou falsificar a sua essência, sem qualquer ilusionismo estético. Mas ao mesmo tempo deve ser visto o todo do ser, desde a essência humana oculta, e esta essência então aparecer sensorialmente apresentada, para que a composição do todo mesmo assim fique submetida às leis da velha beleza humana. Por isso o esforço de Goethe é necessário também lá, onde ele (como na segunda parte do “Fausto”) entra profundamente nas questões específicas da nova época, no “período da arte”.

Já no tempo do seu trabalho conjunto está claro para Goethe e Schiller que a beleza a que eles aspiram impossivelmente poderia ser a da pura antiguidade. A beleza é para ambos já uma luta com a barbárie, uma vitória (parcial) sobre a barbárie. Schiller caracteriza esta nova situação em uma carta a Goethe, na época, como este está trabalhando na parte de Helena do “Fausto”, profunda e completamente, de modo que a sua característica nos seus traços básicos vale também para o período mais posterior, também para a segunda parte inteira, embora nesse ínterim os elementos do bárbaro tenham-se intensificado social e artisticamente. Schiller escreve:

“Mas não se deixe, pois, perturbar pelos pensamentos, quando chegam as belas personagens e situações, que seria pena , barbarizá-las. O caso poderia lhe ocorrer na segunda parte do “Fausto” ainda mais frequentemente, e gostaria de ser bom de vez fazer calar a sua consciência poética sobre isso. O bárbaro do tratamento, que lhe é aplicado através do espírito do todo, pode não destruir o conteúdo mais alto e não suprimir o belo, só o especificar diferentemente e preparar para um outro poder da alma. Justamente o mais alto e mais nobre nos motivos darão para a obra um encanto próprio, e Helena é nesta peça um símbolo para todas as belas personagens que se vão perder adentro. É uma vantagem muito significante ir do puro com consciência para o menos puro, ao invés de procurar do impuro um impulso para o puro, como é o caso entre nós bárbaros remanescentes. Assim você deve reguardar no seu “Fausto” sempre o seu Faustrecht (direito do mais forte ).” Vê-se: também em seu período clássico Goethe e Schiller não recusam o bárbaro de modo nenhum cega e incondicionalmente, em caso algum classicistamente. No entanto deve aqui ser diferenciado dentro do bárbaro. Goethe e Schiller consideram aqui toda arte dos novos tempos como problemática, como bárbara em comparação com a antiguidade, e é claro que o Goethe idoso viu mais na nova arte de seu tempo que se prepara que um aumento meramente quantitativo destas tendências. Todavia tanto na época de Schiller como mais tarde ele está consciente de que uma grande arte moderna seria impossível sem um subsídio da barbárie. Trata-se para ele só do fato de salvar de todas estas tendências aquilo em que para ele mantém conservado o fundamental, a já conhecida configuração do ser humano para nós - mesmo que indiretamente . Por isso Goethe escreve nesta época (em seus comentários ao “Rameau” de Diderot) sobre a necessária recepção das fecundas tendências artísticas em Shakespeare e Calderon : “Manter-nos com coragem na altura destas vantagens bárbaras é o nosso dever, porque nós talvez nunca vamos alcançar as antigas vantagens ...”

Isto só é possível, porque a concepção de arte de Goethe contém sempre um apelo à vida, certamente um outro, mais indireto que aquele do Realismo tardio de um Balzac. A diferença, como Schiller a vê corretamente, está antecipando o desenvolvimento que Goethe desce do puro ao impuro, enquanto Balzac está empenhado em desenvolver com franqueza o puro da dialética imanente do impuro. Na constatação desta oposição não se trata de uma apreciação de valor artística, pelo menos não em primeiro lugar, mas principalmente de um conhecimento das tendências artísticas necessárias de dois períodos. Pois a concepção artística da realidade de Goethe não significa, como nós vimos, nenhuma atenuação das dissonâncias da vida. Mas talvez – do mesmo modo historicamente limitado – outra posição para as contradições que a época leva avante. Elas têm para Goethe um peso totalmente diferente do que elas possuíram para o Iluminismo; mas o mundo aos seus olhos ainda não está rompido pelas contradições, mas é movido em uma evolução irresistível na direção da realização da razão. Por isso a beleza para ele, que entre os gregos resulta ingenuamente da vida sensorialmente observada, é apenas a mais alta pretensão, apenas o mais alto princípio do conhecimento da criação poética: a beleza (a harmonia, a razão) deve resultar da observação do todo, e porque isto não é nenhum princípio estranho da realidade, mas foi deduzido do seu todo agitado, deve-se deixar aplicar a todos os fenômenos isolados – no entanto complicada, indiretamente, com ingredientes bárbaros.

Esta diferença de visão do mundo entre os posteriores grandes realistas e Goethe requer que ele defenda como o último as leis estéticas do “período artístico” e com a sua ajuda crie uma grande arte definitiva, enquanto aqueles se lançam heroicamente de cabeça na nova realidade. E está claro que, quanto mais Goethe envelhece tanto mais expressiva e defensivamente se devem destacar nele os princípios do “período artístico”. Eles atingem o seu apogeu na segunda parte do “Fausto”.

Entende-se por si mesmo que as nossas considerações se referem mais à segunda parte do que à primeira, embora os seus problemas de estilo mais gerais estejam condicionados evidentemente do mesmo modo através desta dialética histórica da vida e da forma artística. A primeira parte provém em sua forma primitiva espontaneamente do período do “Impetuosismo” – todavia ela só é concluída na florescência do “período artístico”. Mas esta conclusão é só um continuar consciente, artístico daquilo que Goethe começou na sua juventude instintivamente.

A primeira parte tem a mais alta forma dramática que era possível ao jovem Goethe e a seus companheiros no “Impetuosismo”. A dramatização de uma vida rica e amplamente estabelecida tornou-se em “Götz” um histórico romance dialogado em que só partes isoladas são dramáticas, e também estas nem sempre independentes da figura principal, mas muitas vezes completamente independentes dela. Na primeira parte do “Fausto” a ação se transforma ao contrário em uma série de cenas mais ou menos curtas, sempre escassas, todas as quais, tomadas por si, são dramáticas; elas possuem quase sem exceção o caráter romanesco de uma parte considerável da lírica de Goethe. Também esta é como se sabe raramente de fato condizente, muito menos de qualquer forma que em outros líricos. Ela apresenta na maior parte das vezes um momento da tensão e do seu desfecho interiormente dramático, e o pitoresco (ou o outro motivo que se desencadeia) só serve para o fato de apressar ou inibir esta agitação interior, conforme o gênero de sentimento liricamente criado. Em Goethe há em conformidade com isso as mais fluentes transições entre a poesia lírica, o romance e a arte dramática.

Muito característica é a posterior relação estilística de Goethe para com a canção popular. Ele diz: “o valor mais verdadeiro das assim chamadas canções populares é o fato de que os seus motivos são tirados diretamente da natureza. Mas desta vantagem poderia também se servir o poeta culto, se ele a entendesse. Mas nisto aqueles levam sempre a vantagem de que os seres humanos naturais melhor se entendem no laconismo do que a dizer a verdade os cultos.

Esta aspiração pelo laconismo é um dos principais traços característicos da poesia de Goethe. O sensível Wieland já o salientou na sua crítica de “Götz”. Ela alcança a sua forma mais pura e completa na primeira parte, especialmente na personagem, nas réplicas de Gretchen. Cada uma das suas cenas sucintas é uma etapa necessária de seu caminho trágico, uma encruzilhada dramática, liricamente resumida, folcloricamente sucinta. Mesmo onde toda cena é somente um monólogo lírico (“Meu sossego está acabado...” ou “Ah, curve-se...”) ela não é lírica segundo a sua essência, não puramente subjetiva ou condicional, mas é a que se movimenta adiante, plástica e simbólica, a que gera a forma.

Nisso é admirável, como o leve laconismo lírico passageiramente deslizante de Goethe dá ao mesmo tempo por toda parte ao meio social aquela completude e arremate que eram imprescindíveis para o plano completo do “Fausto”. Com um esforço muito menor na descrição do tempo surge aqui um quadro do século XVI pelo menos igualmente autêntico e vivo como o no “Götz”, além disso, ainda em uma forma dramática romanescamente movimentada, não meramente esboçada de modo épico. O que o jovem Goethe alcançou, além disso, só eventualmente – desenvolver francamente uma genuína dramaturgia cênica do romanesco como nas cenas isoladas de Adelheid do “Götz” – isto é aqui um estilo contínuo e realizado perfeitamente.

É característico de Goethe que ele quase nunca se repete estilisticamente, nunca faz uma rotina do uma vez alcançado artisticamente (ainda que em nível muito alto). Cada uma de suas obras importantes tem um estilo bastante próprio, estilo extraído, organicamente desenvolvido do tema e objeto. Aqui goza aquela particularidade de Goethe que ele mais tarde chama o seu “pensar objetivo”. Com paixão ele exige um inventar e criar do objeto e não desde o sujeito. Aqui ele vê, na verdade com certa injustiça que exagera, o contaste decisivo entre o poeta e o diletante: “O diletante nunca narrará o assunto, sempre só o seu sentimento sobre o assunto. Ele evita o caráter do objeto.

Somente com base em tal maneira objetiva do poeta foi possível a continuação e a conclusão da primeira parte, embora não houvesse nenhum plano elaborado do todo, embora a ideia básica durante o nascer fosse submetida repetidamente a grandes mudanças. O jovem Goethe tinha certamente só nos esboços mais gerais uma concepção do todo, e trabalhava, enquanto ele compunha em versos cenas isoladas e as enfileirava. Mas enquanto para ele o novo Fausto resultou “objetivamente” do mito, surge nele uma realidade e verdade artística, da qual pode ser desenvolvido com franqueza o trabalho intelectual posterior quase sem modificação do poético, em eliminações insignificantes em virtude da aproximação ao mito inicialmente demasiado grande.

O caráter romântico da primeira parte foi uma forma bem adequada para o desenvolvimento “fenomenológico” do “pequeno mundo”. Mais difíceis e problemáticas são as questões de estilo da segunda parte. Nisso ,no entanto, não pode ser esquecido que desdobra a completa novidade da tendência de Goethe, para concentrar sensorialmente a sorte da humanidade no destino de um ser humano, necessariamente as suas consequências paradoxais só na criação do “grande mundo”. De sua adequada representação artística, o reconhecer e o destacar das grandes contradições objetivas da realidade social-histórica, especialmente em sua forma especificamente capitalista, urge por um lado em uma extensão sem fronteiras formalmente galopante (“A Comédia Humana” de Balzac), na qual o único quadro (que representa o gênero) deveria necessariamente desaparecer; por outro lado, o que foi dito agora mesmo, a representação das contradições sociais na sua crassa condição imediata, na abundância das suas determinações isoladas ultrapassaria aquelas fronteiras estéticas que para a visão do mundo de Goethe eram intransponíveis.

Porque Goethe persevera na integridade quanto ao pensamento e ao conteúdo do desenvolvimento apresentado do gênero humano, mas ao mesmo tempo quer realizar as - já problematicamente resultadas - exigências da beleza do período artístico do mesmo modo e justamente neste assunto, aparece aqui um estilo singular, também em Goethe nunca havido, não repetido, poeticamente grandioso, entretanto (devido à situação, na qual esta poesia nasceu) não canônico, não exempla. A designação goetheana da “produção incomensurável” vale nesta significação muitas vezes cambiante para a segunda parte muito mais do que para a primeira.

Decisivo aqui é o conceito de ser humano no “grande mundo”, no qual o seu destino individual agora já deve formar sem imediação uma abreviatura do desenvolvimento da humanidade. Este reflexo produz necessariamente o aspecto do fragmentário para cada ser humano e com maior razão para cada uma das suas ações, dos seus sentimentos ou pensamentos. Goethe viu mesmo claramente esta nova tarefa que ao mesmo tempo significa uma certa modificação de sua orientação de visão do mundo. Ele esboça uma “anunciação” para a segunda parte de Fausto, cujas linhas decisivas dos pontos de vista ideal como estético têm por teor o seguinte:

“A vida do ser humano é semelhante poesia:
Ela tem certamente um princípio, tem um fim,
Mas um todo ela não é”.

Goethe exprime aqui claramente a condição paradoxal, a particularidade do seu querer que rompe todas as formas artísticas de então. Pois justamente nisto – como sempre ele também constatou natural -filosoficamente o que é transitório, o que varia ininterruptamente e o que se transforma dos seres humanos – para o poeta sempre cada indivíduo era um todo que não somente alcançou um começo e um fim, mas através do destino bem vivenciado um contorno que se completa e se encerra. Mas aqui os personagens são criados desde o início e conscientemente de outro aspecto que resolve os contornos individuais.

Naturalmente este novo modo de consideração e a sua expressão estilística não surgiram repentinamente, mas brotaram gradualmente da produção goetheana. Nós vimos como a primeira parte está ligada organicamente com os problemas de estilo do período de Götz. A segunda parte tem seus precursores que se estilizam nos “Maskenzügen” (”Cordões Carnavalescos”) de Goethe e principalmente no seu fragmento “Pandora” à sua maneira grandioso (de 1807, portanto originado imediatamente após a conclusão da primeira parte do “Fasto”). Nós não podemos tratar aqui mais de perto a particularidade desta produção de Goethe, as influências de visão do mundo e artísticas, que atuaram sobre ela; também aqui nós devemos nos limitar a algumas observações. Os chamados derivados – aqui dos “Cordões Carnavalescos” – são em Goethe sempre muito importantes e seu significado não se deixa de modo algum avaliar no seu imediato valor estético. Goethe é tão rico em experiências ideal-poéticas em cada período, que impossivelmente tudo possa entrar nas importantes obras principais. Assim surgem nele ao lado dos grandes fragmentos de obras mais importantes rascunhos ligeiramente esboçados, que são em parte episódicos, mas não registram insignificantes experiências de vida, em parte na sua esboçada particularidade precursores ou intensificadores de tendências artísticas que amadureceram mais tarde. Goethe refere-se uma vez (em uma carta a Zelter) ao significado do esboço da juventude “Satyros” para a primeira parte do “Fausto”.

Os ocasionais “Cordões Carnavalescos” palacianos dão a Goethe a possibilidade de expressar em outra fase do desenvolvimento em tais derivados os resultados do seu pensar e da sua experiência poética do mundo. Estes “Cordões Carnavalescos” são entre si idealmente como esteticamente muito variados, de valor variado; até mesmo na mesma produção os insignificantes cumprimentos palacianos se soltam com a expressão dos pensamentos mais importantes e mais profundos. Em comum com eles está só a forma alegórica. Mas esta está lá onde Goethe está poeticamente no auge, nunca nua e cruamente alegórica. Por um lado ela é decorativo-poética, enquanto ele conserva a superfície pictórica, o gesto da pintura dos tipos humanos mais importantes, por outro lado ela tem em sua expressão, justamente por causa desta forma alegórica, às vezes uma elevada abstração poeticamente lacônica.

“Pandora” é a primeira produção de Goethe em que se concentram essas tendências para um poema de alto valor. Sua questão fundamental é uma transição, um prólogo para a segunda parte do “Fausto”. É o oposto da contemplação e da prática, uma questão que desde sempre ocupa Goethe vivamente (Pensar-se-ia em “Tasso”). Entretanto aqui aparece uma série completa de importantes e novos momentos dialéticos que indicam a segunda parte nascente, que são retomados nesta num grau mais alto. Importante nisso é principalmente o destaque muito mais forte e a concretização da prática na figura de Prometeu. Por outro lado, no entanto, Goethe levanta já aqui a questão dos limites de uma prática pura, sua relação com a perfeição do desenvolvimento do ser humano, a relativa legitimidade de Epimeteu em relação a Prometeu. Por fim Goethe procura também aqui uma síntese, uma unidade superior de ambos os extremos, aqui ainda – se bem que muito menos do que deste lado realizavelmente pensado – na linha dos “Anos de Aprendizagem”, da perfeição estético-ética de cada ser humano único dentro de uma pequena comunidade de coaspirantes.

“Pandora” ficou um fragmento. Evidentemente Goethe fora atraído poeticamente de modo mais forte pela colocação da questão do que idealmente as respostas possíveis de então para ele o satisfizeram. Segundo a forma o fragmento é tomado por estilo clássico, o que já era condicionado através do tema, mas é uma antiguidade clássica muito peculiar, cuja concessão de estilo já incluiu em si os elementos formais dos “Cordões Carnavalescos”, e em que Goethe resolutamente faz uso das “vantagens bárbaras”.

De grande importância, examinada estilisticamente, é neste período de transição a ocupação intensa de Goethe com Calderon e com a poesia oriental que ambas ele considera correspondentes. Em ambos ele encontra os elementos que são adequados para exprimir de um modo decorativamente poético as altas abstrações ideais e uma tipificação muito ampla dos seres humanos e das condições humanas. Porém nunca pode ser esquecido que Goethe em todas estas tendências só viu complementos, só pontes para a época, para a particularidade de sua temática temporalmente condiciona, só “vantagens bárbaras”. Jamais a Espanha ou o Oriente obscureceram aos olhos de Goethe a posição central da arte grega; jamais ele fez concessões decisivas a esse respeito às tendências românticas. Mas porque na segunda parte do “Fausto” ele estava obrigado a um exprimir indireto do humano, ele buscou aqui os pontos de referência para o novo estilo sem par desta obra.

Esta forma aprofundada dos “Cordões Carnavalescos” constitui a base da segunda parte. O elemento alegórico representa naturalmente um papel importante. Mas a concepção de Goethe da alegoria é sempre poeticamente genuína, excedendo em muito o conceito normal, raso desta forma. Já muito tempo antes ele escreve a Meyer sobre a alegoria: “Tudo são figuras significativas, mas elas significam não mais do que elas mostram, e eu posso talvez dizer não mais do que ela são”. Neste sentido muitos personagens da segunda parte são alegóricos, mas o que não significa de modo algum que eles sejam meros códigos para a decifração de seu modo de aparição sensorial de uma estranha “melancolia”, como deve ser o caso segundo muitos comentadores. (Observações irônicas isoladas do Goethe idoso sobre o “interpretar fantasioso” são cúmplices deste disparate). Fora os detalhes mal sucedidos este alegórico é um grau elevado de uma tipificação direta dos personagens que manifestam clara e distintamente o essencial do seu papel representativo no destino da espécie, cuja moderação genérica é imediatamente evidente e - como de costume em Goethe – não só se torna evidente através do desdobramento gradual da personalidade, através do desenvolvimento gradual do moderado da espécie.

Por essa razão a maioria das cenas da segunda parte não pode ter aquele efeito imediatamente arrebatador sobre o sentimento e a experiência como quase toda a primeira parte, como a maioria dos outros poemas de Goethe. Mas apesar disso a lenda da rigidez e da frieza assim como a da incompreensibilidade poética da segunda parte é mesmo só uma lenda. As figuras são na verdade tomadas por muito típicas, mas em sua maioria interiormente autênticas e verdadeiras; os conflitos interiores, oposições, contradições não são de modo algum abafados ou sacrificados à beleza decorativa. A Alemanha do século XVI mostra um quadro grandioso, extenso e sem dúvida não quadros dos costumes íntimos do alemão antigo (como em “Götz”), mas um grandioso afresco histórico da dança da morte do Feudalismo, não é porém menos verdadeiro do que na obra da juventude, antes ao contrário. Ou se aceitaria o episódio de Philemon e Baucis. Todos os motivos e determinações essenciais da expansão capitalista, de seu ataque fulminante ao idílio pré-capitalista, estão integralmente aí – manifestos de modo humano, moral e poético – por nada suavizados ou enfraquecidos; só por sua vez: não é criado um único sofrimento e um único pecado, mas a linha monumental de uma grande necessidade histórica.

As dificuldades e dissonâncias estilísticas da segunda parte estão antes de tudo no fato de que o modo de criação, que foi constrangido a Goethe devido à nova visão do mundo, devido à nova objetividade, cai em contradição com as suas velhas qualidades poéticas que nele sempre ainda dominavam. A nova intenção de estilo refere-se a modelos literários que de modo consequente deixam-se gozar e expressar as suas personagens alegoricamente resumidas em um quadro vastamente tenso com uma retórica pictórica amplamente torrencial. Mas Goethe conserva também aqui o seu velho laconismo. Com ajuda deste surgem por vezes cenas romanescas maravilhosas como por acaso a das quatro mulheres grisalhas, das quais então só entra a preocupação em Fausto. Mas este laconismo, este breve, limitado expressar quase de passagem, de decisivamente importantes conteúdos faz às vezes com que os momentos importantes fiquem com um peso cênico insuficiente, que eles passem meio despercebidamente e inibam a compreensão daquilo que eles devem transmitir.

Esta dissonância é ainda intensificada através da tendência de Goethe de criar em “traços suaves”, uma tendência que nele já dava efeito na tenra juventude e também não desaparece na obra da maturidade.

Assim diz Goethe sobre as suas intenções poéticas em uma novela muito anterior: “Traços suaves” que caracterizam os seres humanos, sem que disso brotem acontecimentos precisamente estranhos, são verdadeiramente bem dignos do conservar... só aquele que com prazer concebe a humanidade em sereno contemplar, registrará oportunamente tais traços”. Com isso é exigido muitíssimo do leitor. Nós remetemos à passagem por nós já pormenorizadamente tratada onde Fausto julga ver nas nuvens a imagem de Gretchen. Por que esta é a única referência de Gretchen em toda a segunda parte, só os leitores de grande e requintada receptividade humana conseguem assistir aqui à continuidade.

Também nisto Goethe mostra como o último representante do “período artístico”. Ele quer exprimir custe o que custar só criando o interior humano, as relações humanas e evitar comentários. “Clareza é uma distribuição própria da luz e sombra”, cita Goethe de Hamann e expressa com isso uma das suas mais importantes tendências representativas. Mas este princípio, o dos “traços suaves”, deixa-se realizar consequentemente só lá, onde a substância vital da poesia – do aspecto do ser humano criado – é realmente homogênio. A abstração poética sobre as características do gênero e o regresso daqui para a singularidade humana sensorialmente aparente, cuja expressão é justamente a tendência que simboliza, cria agora uma atmosfera cênica em que acaba esta homogeneidade entre o indivíduo e o meio histórico, em que as luzes penetrantes e as sombras profundas da retórica decorativa que se expressam francamente, que comentam de modo direto idealmente (como por acaso em Calderon), aparecem como o meio de expressão dado. Goethe pretende, contudo, também agora evitar, tanto quanto, de qualquer forma possível tais contrastes artisticamente agudos, manter o seu velho estilo das finas luzes e silenciosas sombras – métodos de criação da humanidade diretamente representada, sem os desvios sobre a essência – para traduzir também as mais universais relações do desenvolvimento da espécie para a língua do ser humano por si (aqui artisticamente restabelecido). Assim aparecem discrepâncias entre as exigências da expressão resultadas de modo objetivo necessário e a maneira de falar subjetivamente inevitável do poeta.

Os grandes sucessores de Goethe não sentem mais esta timidez. Figuras tão importantes com Balzac ou Tolstoi não têm o menor escrúpulo, quando se trata de esclarecer diretamente um contexto necessário social ou histórico para a compreensão do todo, abandonar de vez em quando resolutamente o caminho criativo e ir à frente pura, idealmente elucidando. Neles, no entanto, que romperam os limites da forma do “período artístico” e tentam superar a prosa capitalista em caminhos bem diferentes, surgem dificuldades e dissonâncias artísticas de um tipo completamente diferente, cujo tratamento está fora do contexto destas reflexões.

Portanto é incorreto falar de uma decrescente criatividade de Goethe segunda parte do “Fausto” ou até desviar dela a sua completa singularidade. Mas é inquestionável que a segunda parte tem um caráter inteiramente problemático. Esta problemática, que já foi indicada acima, está na concepção, está na relação paradoxo–dissonante da substância vital e estilo poético. Tão pouco Goethe está inclinado a seguir o caminho da retórica: uma tipicidade decorativa, uma pintura de fundo decorativa com palavras é inevitável. A moderação do gênero como tema central e o elemento estilístico exigem frequentemente transições que, vistas a partir do ser humano por si, devem agir brusca e abstratamente, cuja completa concretização humana para Goethe impossivelmente pode ser sempre bem sucedida. E mesmo, quando ela é bem sucedida íntima, poeticamente, o seu entendimento pressupõe tanto que um efeito imediato não pode resultar continuamente. Assim no encontro de Fausto com Helena Goethe deixa esta vivenciar a nova forma de amor individual que apareceu na Idade Média. Ele cria isto de um modo bem refinado e rico em associações, quando ele deixa Helena observar repentinamente no castelo de Fausto que a língua tem uma rima desconhecida para o seu ouvido antigo: “Um som parece se acomodar ou ao outro”. E Goethe nos apresenta agora o amor nascente de Fausto e Helena de tal modo que nos diálogos de ambos de ora em diante aparecem as estrofes rimadas da poesia medievalmente moderna, não antiga:

Helena: Pois então diga, como eu falo também tão bonito?
Fausto: Isto é bem fácil, deve sair do coração.
E quando o peito transborda de anseio,
Olha-se em volta e pergunta -
Helena: quem goza junto.

Mas tal encontro da significância decorativo-alegórica com a espontaneidade humana (nascente dela) não se pode evidentemente encontrar por toda parte. Há também na segunda parte os partidos frios, rigorosos, humanamente sem transição, partes, nas quais o elemento alegórico domina demasiadamente (Cordões Carnavalescos no primeiro ato). E nem todos os valores poéticos de Goethe podem ser harmonizados plenamente com o estilo completo do todo.

Todas estas dissonâncias mostram que a segunda parte do “Fausto” é realmente um encerramento de uma grande época. Muitos chamam o seu tipo de apresentação de “estilo da idade”. Com relativa legitimidade. Mas se trata mais da idade de um mundo do que da de um ser humano. É o ultimo acabamento artístico do inacabável. Na grande arte de autoanulação do “período artístico”. Realmente uma produção” incomensurável”.

(1940)