O Fausto “primitivo” e ainda no fragmento de 1790 é
dominado pela tragédia de Gretchen. E tanto a conclusão posterior adia as
proporções, na imaginação popular conserva-se essa preponderância; no amplo
efeito popular do “Fausto” também hoje domina a tragédia de Gretchen ao lado da
tragédia do conhecimento imediato e do pacto do diabo. Com considerável razão
de ser. Pois a impressão imediatamente poética do “pequeno mundo”, no qual a
moderação do gênero só cria um segundo plano, só determina a particularidade da
típica caracterização e condução da ação, deve agir necessariamente mais forte
do que a da rigorosamente objetivada, filosoficamente poética profundidade do
pensamento do “grande mundo” na segunda parte.
O mesmo, com que clareza ou nebulosidade estava
diante dos olhos ao jovem Goethe o esboço de toda a poesia naquele tempo, sem
dúvida ele estava poeticamente mais comovido pela tragédia de Gretchen.
Compreensivelmente. Pois esta o jovem Goethe pode realizar adequadamente, pois
ela era um tema central não só da sua própria poesia da juventude, mas de toda
literatura alemã desta época.
Em “poesia e verdade” Goethe menciona que depois de
suas narrativas sobre a tragédia de Gretchen o seu colega de juventude H. L.
Wagner inicia um plágio a ele. Até que ponto pode-se aqui realmente falar de
plágio. Wagner apresenta o destino trágico de uma moça seduzida no sentido do
tempo: como exemplo crasso de popularmente moderada subjugação dos cidadãos e
pequenos burgueses pela aristocracia. Semelhantes dramas aparecem nesta época
em muito grande número, os mais excelentes da nova geração são os de Reinhold
Lenz; o apogeu alcança a configuração deste exemplo da opressão de classes de
então em “Emilia Golotti” de Lessing e em “Kabale und Liebe” (“Cabala e Amor”)
de Schiller.
A popularidade desse tema não é de forma alguma por
acaso. Também tem um papel não insignificante na literatura do Iluminismo
inglês e francês de Richardson até “Figaro” de Beaumarchais. Na luta de classes
entre a nobreza e a burguesia em um subdesenvolvimento da classe oprimida devem
ser colocados em primeiro plano necessariamente os casos isolados da crassa
injustiça; pensar-se-ia nas grandes campanhas de justiça de Voltaire, que têm
umas analogias moderadas em território alemão nas “Rettungen” (“Salvações”) de
Lessing e na aparição do jovem Lavater. O seduzir das moças da classe média
pelos nobres, as tragédias que resultam disso, criam compreensivelmente uma
parte importante da tal rebelião ainda subdesenvolvida contra o domínio feudal.
E é evidente que todas estas tendências deveram entrar ainda mais em primeiro
plano na maior debilidade da burguesia alemã que na França.
Social é, portanto, a tragédia da moça do povo
seduzida só um caso entre os muitos abusos do feudalismo depravado. Mas do
ponto de vista da criação poética este tema tem tais vantagens, que não por
acaso se tornou o principal tema dramático do Iluminismo alemão. Sobretudo
estão aqui concentrados de modo sensorialmente expressivo, em um caso isolado
típico facilmente revivível, os mais repugnantes traços da opressão que
espontaneamente revoltam toda a burguesia (também os seus elementos mais
rudimentares) . De mais a mais justamente este tema dá a possibilidade de
diferenciar a típica necessidade socialmente exata e explicita, de indicar
poeticamente as suas mais diferentes formas de aparição. (A corte em Lessing e
Schiller, a vida de oficial em Lenz e Wagner, a corporação de ofício da corte
em Lenz e assim por diante). A seguir justamente este tema oferece mais
eficazmente, a oposição que se encontra o mais amplamente em primeiro plano: a
de ambas as morais, da decadência moral, do niilismo mora na nobreza e do
saudável sentimento ético na burguesia. Finalmente podem ser apresentadas aqui
perfeitamente fieis à verdade a fraqueza dos burgueses, a sua impotência
perante a nobreza, e pode, pois, chegar a expressar-se o seu heroísmo passivo,
genuinamente aumentado, não violentamente torcido para cima. Assim não é por
acaso que mesmo no politicamente mais apaixonado dramaturgo do “Impetuosismo”,
no jovem Schiller, a venda dos soldados pelos príncipes forma só um episódio na
tragédia amorosa central.
A poesia da juventude de Goethe pertence também a
esta corrente, mas Goethe tem aqui desde o começo uma posição e questionamento
peculiares; ele cria algo mais amplo e profundo que os seus contemporâneos; ele
faz absolutamente uma crítica da relação de amor na sociedade burguesa. Engels
descreve pormenorizadamente como aquele terremoto social, que deu à burguesia
seu representativo lugar econômico, também introduziu as formas modernas de
amor e casamento, mas ao mesmo tempo – com a mesma necessidade econômico-social
– fez a sua realização na vida para raros casos excepcionais. Nesta contradição
interna da sociedade burguesa começa então o criar do jovem Goethe. E na
verdade, correspondente à toda a sua tendência, do ponto de vista do
desenvolvimento da personalidade universal, que pois igualmente faz parte
daqueles complexos do problema, que coloca o nascimento do capitalismo, o
amadurecimento das revoluções burguesas na ordem do dia, nas quais entretanto
do mesmo modo a estrutura social e econômica da mesma sociedade burguesa evita
uma realização que também só se aproxima. As tragédias de amor do jovem Goethe
apresentam, em destinos individuais profundamente vivenciados, variadas
misturas de ambos estes grupos de contradições sociais. A questão da
contradição de classes nas relações sexuais dos seus contemporâneos deslocada
para o ponto central permanece também para ele um momento importante, mas pois
só um momento desta totalidade.
A rara possibilidade de realização da união do amor
individual e do matrimônio nas classes dominantes da sociedade burguesa tem as
suas fundamentações econômicas e sociais – Engels não se cansa de repetir que
esta questão nas camadas plebeias e especialmente no proletariado é bem outra
–. Mas estas se impõem tragicamente em casos isolados de forma crítica. Na vida
afetiva, no pensamento, na prática social dos seres humanos as contraditórias tendências
sociais disputam até o fim as suas batalhas. A forma mais primitiva destas
contradições é a contradição entre a paixão de amor nascida e a prosperidade
econômica e social do ser humano isolado; grosso modo falado a questão: se o
amor e o matrimônio são vantajosos ou prejudiciais para a sua “carreira” – em
que esta “carreira” mostra do fazer valer brutalmente material até o
desenvolvimento interior da personalidade, do egoísmo mais baixo, menos
inteligente até os verdadeiros conflitos trágicos as mais diferentes passagens.
Em “Götz” e “Clavigo” o jovem Goethe coloca o
problema desse modo. Em Clavigo a questão aparece mais simples e mais
cruamente; em Weislingen ela é complicada através do amor simultâneo por
Adelheid, mas não se pode nisso deixar de ver que o amor por Adelheid está
estreitamente ligado com a questão pela “carreira”: se Weislingen se associará
à posição de cavaleiro de Götz e Sickingen ou tenta se fazer valer na corte. Em
ambos os casos – embora Goethe equilibre cuidadosamente as reais provocações –
toda a simpatia está do lado da moça sacrificada. Weislingen e Clavigo são
apresentados como homens fracos, como personagens vacilantes que falham
vergonhosamente na prova de seu valor humano. Este tipo de personagem é em
Goethe um autojuízo. Mas um parcial, um simplificado. E a simplificação exterioriza-se
também no fato de que as vítimas cercadas com toda a sua simpatia aparecem
pálidas e anêmicas na representação poética. Adelheid triunfa não só na
realidade criada do “Götz” sobre Marie, ela é também como personagem poética
mais viva, mais rica, mais convincente, mais avassaladora.
O motivo é justamente o autojuízo do poeta. Goethe
parte aqui predominantemente da culpa, sem tomar o problema em seu modo de
aparição mais complicado, mais psicologicamente profundo. Mas assim ele o
vivenciou na própria pele. Nós conhecemos a ideia e Goethe do desenvolvimento
das aptidões que existem no ser4 humano. Este desenvolvimento é impossível sem
amor. O asceta é um ser humano imperfeito. A paixão do amor individual,
justamente porque ela é tanto a mais elementar, a mais natural de todas as
paixões, como também porque ela representa em sua forma atual individualizada o
fruto da cultura mais alto e mais refinado, é a mais legítima realização da
personalidade humana, tanto quanto o seu desenvolvimento “microcósmico” é
considerado como finalidade em si. Ela só pode alcançar esta realização quando
a paixão do amor se torna uma corrente que arrebata tudo, na qual os mais altos
esforços espirituais e morais do ser humano desembocam na sua maior perfeição,
quando ela eleva o poder do amor, que unifica a personalidade, realmente tudo
no ser humano para o mais alto alcançável.
A lírica amorosa de Goethe expressa reiteradamente
esse sentimento do mundo em forma poeticamente perfeita. Como isso está
intimamente ligado com sua visão do mundo – predominantemente de forma natural
filosófica - a sua poesia “A Metamorfose das Plantas” mostra o mais claramente.
Goethe não escreve aqui nenhum poema didático filosófico; quando ele expõe o
desenvolvimento do mundo das plantas poeticamente na forma de uma explicação
para Christiane Vulpius, assim esta não é nenhum ouvinte construído e fictício
de uma explicação abstrata: imediata, organicamente em um sentido intelectual
como poético brota da explicação poético-intelectual goetheana dos fenômenos da
natureza a lei do crescimento e da essência do amor. Por isso Goethe pode
encerrar o seu poema assim:
“Oh, lembre-se que também, como do germe do
conhecimento
Pouco a pouco em nós nasceu o propício hábito,
Do nosso íntimo revelou-se a amizade com o poder
E como o cupido por fim gerou flores e frutos.
Pense, quão diversamente ora estas ora aquelas
personagens,
Desdobrando-se silenciosamente, emprestaram a
natureza aos nossos sentimentos!
Alegre-se também do dia de hoje! O amor sagrado
Ambiciona o fruto mais alto dos mesmos sentimentos,
Da mesma opinião das coisas, para que em harmônico
contemplar
O casal se ligue, encontre o mundo mais sublime”.
Este ideal de um amor harmonioso e que exige o
máximo desenvolvimento harmônico nasceu no solo da sociedade burguesa,
entretanto a sua realização na vida é impedida em seu desenvolvimento pelo ser
social, que o produziu. Não só diretamente econômica e socialmente, no sentido
dos obstáculos econômicos de uma união matrimonial; não somente devido às
diferenças culturais por fora moderadoras de classes e por dentro dificilmente
vencíveis - também a lógica imanente do desenvolvimento da personalidade coloca
aqui seus limites.
A impossibilidade de uma igualdade real do homem e
da mulher na sociedade burguesa aparece deste aspecto nas mais diversas formas
das mais brutais até as mais espirituais. Uma autoconclusão da personalidade é
impossível sem amor, pelo menos muito profundamente insensata. Mas esta
autoconclusão, à qual pertence a profunda camaradagem espiritualmente sensual
entre o homem e a mulher, requer na sociedade de classes um desenvolvimento
solitário, por conta própria livre e dissoluto sem família, sem mulher e
filhos, pelo menos no começo da busca, do (necessário) errar, até que o próprio
caminho, a mestria no domínio das realidades mundanas e das próprias
capacidades sejam obtidos. A ligação prematura, mesmo na base do mais genuíno e
profundo amor pode tornar-se assim na sociedade de classes o ponto de partida
de trágicos conflitos insolúveis. Se eles subsistem, assim o jovem que se
compromete será a vítima, ele se arranca, estimulado pelo ímpeto das suas
tolhidas possibilidades de desenvolvimento, assim a moça deve ser sacrificada.
Isso são os perfis das tragédias de amor do jovem
Goethe. Na sua profunda honestidade humana, no seu sempre desperto sentimento
de responsabilidade a rápida renúncia é o motivo condutor constante de sua vida
de jovem. Sim, porque ele estava muito cedo consciente desse conflito, a sombra
da necessária despedida cai já sobre a ascensão do amor mais impetuoso, mais
enriquecedor e que faz mais feliz. Já aos dezoito anos Goethe escreve no meio
da mais violenta paixão por Käthe Schönkopf ao seu amigo Behrisch:
“Eu digo frequentemente para mim: se ela agora
fosse sua, e ninguém como a morte pudesse disputá-la com você, pudesse impedir
o seu abraço? Digo a você o que eu sinto neste momento, tudo o que eu penso ao
redor disso – e se eu estiver no fim, então eu peço a Deus para não dá-la para
mim”.
Aqui nós temos diante de nós o protótipo de todas
as posteriores tragédias de amor do jovem Goethe: de Friederike Brion até Lili
Schönemann, onde os momentos materiais não puderam ter de forma alguma nenhuma
importância. Toda a complicada dialética interior destes sentimentos Goethe
apresenta no drama “Stella”. Ele deixa aí a Cäcilie abandonada pelo Fernando
dizer:
“Ele me amou sempre, sempre! Mas ele precisava mais
que o meu amor. Eu tinha de compartilhar os seus desejos. Eu lamento o homem
que depende de uma moça... Eu o considero como um prisioneiro. Elas dizem,
pois, também sempre, isso seria assim. Ele é atraído do seu mundo para o nosso,
com o que ele não fundo não tem nada em comum. Ele se engana por algum tempo, e
ai de nós, quando os olhos para ele se abrem”!
Do mesmo modo são apresentadas com grande sutileza
neste drama as diversas formas de engano (inconsciente) e de ilusão, que
resultam obrigatoriamente de tais situações. Se Goethe tivesse conseguido
apresentar convincentemente no seu herói masculino todos aqueles motivos que
nele próprio levaram a estes conflitos, se ele não se tivesse limitado na
personagem de Fernando à pura psicologia do amor, do hesitar e da infidelidade,
então teria aqui aparecido uma das maiores tragédias de amor daquele tempo.
“Egmont” e o poema “Diante do Tribunal” (1776/77)
mostram outro não menos trágico cominho de igual conflito. Enquanto as moças
das camadas superiores da burguesia só podiam ser vítimas da catástrofe amorosa
que inocentemente fenecem, as moças plebeias têm a coragem de tomar para si o
amor em toda a sua incerteza, liberdade, com todas as suas consequências
sociais e íntimas, de desafiar orgulhosamente os preconceitos da sociedade
burguesa e acham no próprio amor- com a sua inconstância –, no amar e ser
amadas a consciência do seu valor, a sua força moral.
Klärchen responde orgulhosa ao suspiro receoso da
mãe que ela se tivera tornado uma criatura abjeta: “Abjeta! A amante de Egmont
abjeta?” E no supracitado poema Goethe deixa a sua mãe dizer:
“De quem eu a tenho, isso eu não digo a vocês,
A criança em meu ventre. –
Que horror! Cuspam: a meretriz aí! –
Sou porém uma mulher honesta”.
A tragédia de Gretchen é a mais típica de todos
estes dramas. Nós já referimos ao fato de que no Fausto como em Gretchen estão
criadas não só a própria paixão do amor como também todas as suas etapas do
desenvolvimento dos inícios levianos, semiconscientes até o trágico mais
profundo. Na pessoa de Fausto estão concentradas todas as grandes tendências do
desenvolvimento. Quando ele voltando à vida se aproxima de Gretchen,
encontra-se sobre ele o peso sombrio da mal vencida tragédia do conhecimento
imediato, do paco com o diabo, e trabalha nele no meio do mais alto encanto
sobre Gretchen, no meio do arrebatamento mais apaixonado da magia de sua pessoa
e da sua proximidade o esforço invencível: adiante, vá além! Fausto sabe, se
ele não quiser admiti-lo também para si próprio, que não pode haver para ele
nenhum permanecer duradouro no “pequeno mundo” de Gretchen. Mas este esforço
além não tem mais nada a ver com os objetivos exteriormente sociais do impor-se
de um Weislingen e Clavigo ou com a inquietação puramente subjetiva de
Fernando: nele se trata realmente de um incansável instinto de aperfeiçoamento.
Por isso o amor por Gretchen é também trágico para
o próprio Fausto. A interiorização trágica exprime-se o mais claramente no fato
de que as forças opostas que provocam o conflito não mais aceitam as
personagens exteriormente separadas como em outros dramas da juventude, mas a
aspiração de ascendência de Fausto e a sua ligação com Gretchen fortalecem-se
mutua interiormente e se destroem ao mesmo tempo. A já observada cena da
mudança do destino no amor de Fausto mostra esta combinação indissoluvelmente
trágica: Fausto foge de Gretchen para salvá-la; a fuga e a solidão dão para o
seu espírito, para a sua visão do mundo uma nova prosperidade imprevista. Mas
esta prosperidade é acelerada exatamente pelo amor por Gretchen, ele torna a
fuga inútil – sem dúvida com ajuda de Mefistófeles – de modo que justamente o
mais alto e o mais espiritualizado grau do amor de Fausto pelo destino de
Gretchen se torne fatídico. Que Fausto possua completa clareza sobre o seu
destino, não atenua nada, esta clareza é só um tornar-se consciente subjetivo
da insolubilidade da situação; a visão do mundo de Fausto, mesmo no meio do seu
mais alto patetismo natural filosófico, não consegue dar nenhuma resposta para
os cinismos de Mefistófeles, não consegue resolver o dilema moral:
“O que é o prazer do céu em seus braços?
Deixe-me aquecer em seu peito!
Eu não sinto sempre a sua falta?
Eu não sou eu o fugitivo, o desabrigado?
O monstro sem objetivo e sossego,
Que brame como uma queda d´água de rochedo a
rochedo
Ansiosamente enfurecida em direção ao abismo?
O que deve acontecer, pode acontecer já!
O seu destino pode precipitar-se sobre mim
E ela pode perecer comigo!
Esta mesma tipicidade sublime nós vemos em
Gretchen. Ela nem é heroína como Klärchen nem vítima anêmica como ambas as
Marien (também pela moderação de classes ela está entre ambos os extremos).
Todos os normais espirituais como morais preconceitos e fraquezas de uma moça
burguesa da classe média baixa existem nela. Mas também ao mesmo tempo o
absoluto e o inquebrantável dos sentimentos, o incondicional da entrega, a
valentia, o altruísmo, a clarividência do sentimento em relação a pessoas e até
mesmo a pensamentos.
Objetivamente apresenta-se com certeza justamente
aqui o – muito complicado – rompente motivo. É importante que Fausto após a
peripécia em “Floresta e Caverna” também procure uma aproximação de visão do
mundo em Gretchen. E quando ele no discurso sobre Deus que se tornou famoso
adapta consideravelmente o seu panteísmo completamente terreno (e de Goethe) ao
círculo religioso de ideias de Gretchen, assim isto não é puramente um
mimetismo do amante que quer produzir custe o que custar também uma união psico
espiritual, mas uma tendência muitas vezes emergente do próprio Goethe, de
tornar o seu spinozismo não polêmico, uma contínua tolerância em relação à
crença sincera, quando absolutamente só se crê em algo e não surge nenhuma
indiferença niilista. Por isso as palavras de Gretchen:
“Isto tudo é bem bonito e bom;
Pouco mais ou menos o pastor também diz isto,
Só que com palavras um pouquinho diferentes”.
têm um duplo sentido. Subjetivamente é alcançada
para ambos uma proximidade e mental-espiritual no momento do êxtase; objetivamente,
por certo inconsciente para ambos, abre-se já aqui um abismo que separa. Daí a
complicada dialética da mais profunda sinceridade, o mais decidido abrir-se por
um e por outro lado do engano e autoengano, que são característicos para o amor
na sociedade de classes – mesmo na sua forma mais sublime – Assim Cäcilie diz
em “Stella”: “Nós acreditamos nos homens! Nos momentos da paixão eles se
enganam a si mesmos, por que nós não
deveríamos ser enganadas?”; assim diz Fausto no auge da complicação trágica,
quando Gretchen já estava no cárcere: “E seu delito foi uma boa loucura!”
Mas que Gretchen não entenda a filosofia de Fausto,
ou seja, interpreta abaixo ao seu mais baixo nível de cultura, tem do mesmo
modo dois lados, em que se exprimem a autorização e o trágico da sua posição.
Quando ela censura Fausto: “Você não tem nenhum cristianismo”, assim isto é
mentalmente na verdade a ininteligível objeção da moça pequeno-burguesa,
entretanto se refere humana e moralmente ao decisivo ponto trágico no mais alto
do desenvolvimento da personalidade de Fausto: à sua união inseparável com
Mefistófeles. E Fausto só pode trazer em seguida pretextos embaraçados e
inexpressivos, pois ele está consciente e o admitiu para si próprio
imediatamente antes na cena “floresta e caverna” que Mefistófeles se tornou
indispensável para ele. A impossibilidade de romper aqui a parede divisória da
trágica falta de sinceridade involuntária não está assim na diferença de nível
intelectual entre Fausto e Gretchen, não na incapacidade de Gretchen de
entender Fasto, completamente, mas na interdependência mefistofélica também dos
esforços humanos mais altos.
Por isso aqui – em toda a profundidade do amor de
Fausto, de sua simpatia e compaixão – Mefistófeles tem bem ampla razão
(relativa), quando ele mostra cinicamente no mais alto impulso ideológico e
moral do amor de Fausto as consequências do leito e se alegra sobre isso. Aqui
está da forma mais clara o papel como o limite de Mefistófeles: a essência de
Gretchen é par ele inalcançável; também a parte essencial das efetivas lutas
interiores de Fausto não é compreendida por ele – mas o caminho desta tragédia
está, pois, pavimentado por toda parte com as pedras da sua “sabedoria”. Porque
Gretchen é inalcançável para Mefistófeles, também o seu amor por inteiro não é
problemático. E o seu trágico resulta igualmente necessário desta sinceridade
livre de dúvidas e de escrúpulos com a de Fausto de seu arrebatamento vacilante
entre a dedicação pela sua obra da vida e o êxtase de felicidade do seu amor.
A grandiosidade da tipificação goetheana consiste
assim não somente na realidade universal da vida de todos os momentos deste o
desenvolvimento até o trágico, mas também no fato de que a sua sequência, a
mistura plena da luta dos motivos altos e baixos, sempre permanece profunda
tipicamente, que aqui é criada toda a história do amor - meio por acaso – da
sua origem até a ruína - necessariamente trágica - em todas as suas etapas
significativas do desenvolvimento. Por isso Gretchen deve ser uma seduzida
personagem das camadas inferiores que se arruína como as outras heroínas do
”Impetuosismo”. Mas a criação goetheana desta ruína, na qual estão incluídos
como momentos todos os motivos sociais do “Impetuosismo”, está construída mais
profundamente. O caminho até a ruína não é somente mais completo, ele é também
mais rico em contradizer dramático. Para o “Impetuosismo” só existiam somente
duas possibilidades: ou a sedução frivolamente leviana e o descartar, após a
avidez sexual estar satisfeita, ou o amor verdadeiro que permanece inabalado
como amor, mas que fracassa no irresistível poder da camada de classes. A
tragédia de Gretchen junta ambas as linhas de motivos da própria etapa mais
alta de Goethe: Fausto ama Gretchen até o fim e ao mesmo tempo – com o
crescimento de sua paixão crescente – é para ela interiormente infiel, enquanto
os seus momentos de desenvolvimento, que vão além dela, com o fortalecer-se da
paixão, fortalecem-se do mesmo modo com sua realização. E Gretchen sacrifica
por seu amor não somente a honra e a existência, não somente a mãe e o irmão,
mas sente ao mesmo tempo – na cena do cárcere – em toda a sua atração
apaixonada pelo Fausto como amante e salvador, que surge realmente
inesperadamente na mais alta necessidade, o fim de seu amor:
“Onde ficou o seu
amar?
Quem me levou disso...
Para mim é, como se eu tivesse de me forçar para
você,
Como se você me repelisse de você;
E este é pois você, e você olha tão bem, tão
piedosamente” .
Neste trágico de cá para lá do onipotente estar
atraído mútuo com os seus abismos que separam irreconciliavelmente, neste
desenvolvimento anímico-espiritual do amor, dilacerando-o, entra Mefistófeles
que insiste na decisão da terrena, da prática salvação de Gretchen. Aqui
Gretchen toma a sua decisão final: ela não quer ser salva por um Fausto para o
qual Mefistófeles é imprescindível. Por isso a voz de cima pode gritar: “Está
salva!”
Esta salvação de Gretchen – do além - que é um
aditamento da versão de 1808 e ainda falta no “Fausto primitivo”, faz parte do
mesmo modo da fundamentação “fenomenológica” de toda a obra como o outro mundo
posterior da salvação e conclusão de Fausto. Aqui como lá não se trata
naturalmente de uma crença religiosa de Goethe em um além, mas do resumo
poético de seu conhecimento de que uma perfeição humana – seja para o tipo
Fausto, seja para o tipo Gretchen – é impossível para ele na conhecida
realidade social-histórica, com a inabalável crença em um desenvolvimento
futuro da humanidade, em um modo desconhecido par ele, que solucionará um dia
também estas questões. Mas porque o horizonte de Goethe termina com a sociedade
burguesa, ele nem pode criar um quadro utópico sobre este futuro. (“Os Anos de
Aprendizagem de Wilhelm Meister” realizam mais ampla e completamente a última
etapa do desenvolvimento de Fausto, mas não se referem ao problema da sua
“redenção”). Assim a crença no futuro de Goethe deve permanecer uma mera crença
e como tal não pode produzir nenhuma roupagem concreta da realidade de si
mesma. Daí – analisado mental, histórico filosoficamente – a escolha arbitrária
do céu católico como imagem final.
O próprio Goethe sentiu que em um realizar da pura
crença que o artisticamente vago estava diante dele como um grande perigo; ele
julga em uma conversa com Eckermann que ele teria caído neste perigo muito
facilmente, “se eu não tivesse dado às minhas intenções poéticas uma forma e
solidez caridosamente limitantes através das figuras e representações
penetrantemente esboçadas cristãs religiosas”. E na escolha de tais encarnações
míticas das suas tendências poéticas Goethe sempre era de uma liberdade
interior ilimitada: ele tratou cada
mito com a maior soberania intelectual. Ele escreve oportunamente a Jacobi: “Eu
para mim, nas diversas tendências da minha essência, não posso estar farto de
uma maneira de pensar; como poeta e artista eu sou politeísta, panteísta pelo
contrário como pesquisador da natureza e um tão decidido como outro”. Esses
pressupostos uma vez admitidos, o céu cristão resulta bem desembaraçadamente do
colorido geral do século 16, seu caráter católico da evidência mais forte desta
mitologia.
Mas tudo isto é só formal. Há, todavia, ainda dois
momentos, nos quais a mitologia católica podo servir como meio de expressão
sensorial para a representação dos seus conteúdos completamente heterogêneos
para ela. Isto é principalmente no “Fausto” sempre a importante movimentação
interior e a sua expressão poeticamente visível. O caráter hierárquico do céu
católico dá a Goethe um palco coordenado para essa movimentação. Visto de modo
geral ela já existe em Dante. Mas aqui só o próprio poeta se acha em movimento,
crescendo em organização hierárquica, senão – abstraindo-se de poucas exceções,
por exemplo, lá onde as almas deixam o purgatório – cada alma é remetida a um
lugar definido. Esta hierarquia é assim aqui somente um espaço para o movimento
de Dante, para a sua transformação interior e sua mudança de lugar exterior. Ambos
aparecem em Goethe muito mais dinamicamente – tanto quanto a brevidade da cena
o permite. Em Fausto é indicado claramente outro crescimento, um desenvolvimento
ulterior. As almas redimidas movimentam-se em Goethe livremente no céu. A
“mater gloriosa” diz a Gretchen:
“Venha, eleve-se a esferas mais altas!
Se ele imagina você, ele segue“.
O céu de Goethe é, portanto, só estética
formalmente católico; segundo o conteúdo ele mostra a continuação da linha
goetheana de aperfeiçoamento eterno do gênero humano, é um símbolo para a - por
Goethe concretamente não imaginada – unidade da verdadeira realização e da
locomoção ilimitada do ser humano:
“Todo o efêmero
É só uma alegoria;
O inacessível
Aqui se torna um acontecimento;
O indescritível
Aqui é feito...”
Do mesmo modo o conceito católico de uma graça
vinda de cima é admitido e transformado por Goethe despercebidamente ao
contrário, ao lado de cá da Terra. Lembremos-nos dos já citados versos por
Goethe, qualificados como chave para o todo. Eles acham a seguinte sequência:
“E o amor bem de cima
Tomou parte dele,
A multidão bem aventurada encontra-o
Com afetuoso bem vindo”.
Aqui aparece o amor ainda simbolicamente ambíguo:
do ambiente catolicamente pictórico soa também algo como graça. Mas também isto
se compensa por si próprio. Não por acaso os versos finais agora mesmo citados
por nós terminam completamente terrenos segundo a sua dialética de
desenvolvimento, só cristã segundo a aparência exterior, panteísta segundo a
essência:
“O eternamente feminino
Atrai-nos a ele”.
Tão pouco por acaso roda a poesia finaliza com a
perspectiva da utópica, mas segundo o conteúdo da união de amor terrena de
Fausto com Gretchen. As poucas observações que precedem esta conclusão, fazem
com que o conteúdo no costumeiro estilo leve e requintado de Goethe seja
distinto. Gretchen percebe o desenvolvimento superior e a depuração de Fausto e
se dirige à rainha do céu com o pedido: “Permita-me instruí-lo!”, após o que
seguem a resposta de Maria anteriormente citada e os versos finais. Assim o céu
é para Fausto a culminação do seu desenvolvimento projetada ao além, cujo ponto
mais alto e a coroação constituem a reconciliação com Gretchen; todo o resto é
só ambiente, mediação e decoração. Gretchen é para a aspiração de Fausto o gênio
da perfeição, como Klärchen era o gênio da liberdade para Egmont que se
encaminhava à morte.
O que então aquilo que Fausto que já crescia no
meio da ascensão já para professor dos “meninos bem aventurados” aprende com
Gretchen?
Aqui nós temos diante de nós uma importantíssima
variação de idade e formação complementar da concepção de Goethe da perfeição
humana. Nela opõem-se sempre duas tendências pela soberania, e segue da
essência da coisa, que em Goethe pode-se sempre tratar de outra forma de compensação
entre ambas tendências, mas não de uma escolha rigorosa , do completo aceitar
de um e do completo rejeitar dos outros.
A primeira tendência é a instrução mais alta das
aptidões patriculares do ser humano, seu aperfeiçoamento para a mestria; isto
significa em Goethe que entende toda atividade praticamente, em ação recíproca
conscientemente intensificada com a realidade objetiva, ao mesmo tempo um
reconhecimento da realidade amplo e profundo. A segunda tendência é a da
harmonia humana interior na formação franca dessas capacidades; a mestria na
prática – segundo a tendência interna da divisão do trabalho capitalista – não
deve fazer dos seres humanos monstros virtuosamente especializados, antes o
crescimento das capacidades isoladas, das dominantes deve ser acompanhado de um
crescimento harmônico de todo ser
humano.
Desta tendência de Goethe torna-se compreensível a
profunda impressão que Hamann exerceu sobre seu desenvolvimento da juventude.
Goethe formula esta atuação assim: “Tudo o que o ser humano empreende para
realizar seria então produzido pela ação ou palavra ou outra coisa, deve provir
de todas as forças reunidas; todo isolado é rejeitável. Uma grandiosa máxima,
mas difícil de seguir... O ser humano, enquanto ele fala, deve tornar-se
parcial para o momento; não há nenhuma comunicação, nenhuma aprendizagem sem
distinção”.
Na realidade em que ele vive Goethe sabe que ambas
estas tendências, embora só sua síntese forma o ser humano realmente
enciclopédico, harmônico, são cheias de contradições, pois incompatíveis. Na
época mais feliz de sua maturidade ele esboça (nos “Anos de Aprendizagem de
Wilhelm Meister”) uma utopia social da sua unificação. Mas as experiências
sociais das décadas posteriores, a vivência do capitalismo, cujo papel como
revelador das forças produtivas ele aprova sem reservas sentimentais, o juízo
que elucida nas suas contradições sociais, levam-no a uma resignação nesta
questão. Os “Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister” e a segunda parte do
“Fausto” prescindem determinantemente das demandas turbulentas de harmonia da
juventude, dos sonhos utópicos da idade do homem maduro. Mas a desistência de
Goethe é até certo ponto só “real política”, só prática, só um manifestar
daquilo que não é em princípio uma recusa das suas esperanças anteriores. Este
ideal permanece a seguir o conteúdo central da sua perspectiva de futuro. Ele
sabe, entretanto, que este ideal para o presente real é só um ideal mesmo.
Quanto mais, porém, Goethe se conforma e aprova o
desenvolvimento prático das capacidades humanas individuais que o domínio das
forças naturais e com isso exigem o desenvolvimento a seguir do gênero humano
justamente em seu e através do seu isolamento, tanto mais energicamente ele
busca em toda parte na realidade por tendências reais e fatos, nos quais a
harmonia e a perfeição humanas foram realizadas, se bem que na base de uma
renúncia objetiva de outro tipo.
Com isto expressa então um lado democrático, até
mesmo quase plebeu da visão do mundo gotheana. Ele diz: “O ser humano mais
insignificante pode ser completo, se ele se movimenta dentro das fronteiras das
suas capacidades e aptidões, mas mesmo belas preferências são obscurecidas, suprimidas e destruídas, se aquela
simetria indispensavelmente exigida se vai. Esta desgraça distinguir-se-á nos
tempos inovadores ainda mais frequentemente...“ Nisso está contida uma
importante rejeição a todo aristocratismo do espírito, para nem se falar do
culto ao gênio. O momento que se equilibra diante do romper da harmonia humana
através do desenvolvimento parcialmente monstruoso das capacidades individuais
Goethe não encontra naqueles seres humanos, que esteticamente conscientes
encontram um aperfeiçoamento interior; ele busca antes a realização do seu
ideal produzida pela vida e por isso garantida por ela em determinados seres
humanos de índole predominantemente plebeia, cujas condições de vida na verdade
falharam, cuja competência inata deixou crescer as suas capacidades porém para
uma harmonia espontânea.
Goethe está muito longe do fato de ver aqui um
ideal rousseauista e de querer dobrar de volta o desenvolvimento a este nível. Seu
amor e adoração por tais personagens, seu conhecimento da sua (relativa)
superioridade humana sobre os produtos do capitalismo, que são superiores em
talento e espiritualidade, têm seu motivo em que ele avista justamente neles
uma garantia real para a possibilidade humana e acessibilidade da harmonia
imaginada por ele no mais alto nível do desdobramento de todas as capacidades.
Portanto não é por acaso que Goethe encontra esta
forma de perfeição humana mais frequentemente nas camadas plebeias que no
superior social, mais frequentemente em mulheres que em homens. O encanto
imarcescível das personagens femininas de Goethe - seja Iphigenie ou Philine,
Klärchen ou Ottilie, Natalie ou Dorothea – baseia-se justamente nesta perfeição
humana em comparação aos homens consideráveis, extensivamente limitada,
intensivamente harmoniosa. Goethe não é também aqui nenhum seguidor de
Rousseau, por mais que ele também - especialmente aqui – tenha aprendido com a
crítica social de Rousseau: ele não pensa por um segundo em rebaixar Egmont ao
nível intelectual de Klärchen, Fausto ao de Gretchen; pois o próprio anseia
romântico por uma tal perfeição mais primitiva falta de todo nele e por isso
também aos seus heróis.
Mas ele vê afinal aqui um lado essencial do
aperfeiçoamento humano, no qual uma série de atributos especialmente morais,
mais altos, mais exemplarmente desenvolvidos é como nos mais virtuosos, mais talentosos,
mais eruditos vencedores da realidade objetiva. E ele sonha com o fato de que
em outras etapas de desenvolvimento da humanidade a mais alta intelectualidade,
intensiva como extensivamente o mais forte desdobramento dos talentos
particulares humanos, sem que algo do assim conquistado devesse ser abandonado,
o arredondamento humano interior, a harmonia moral estética de tais mulheres
seria alcançada.
Esse contraste ocupa Goethe durante toda a sua
vida. Em “Tasso” a solução tem ainda às vezes um sabor palaciano estético. Os
“Anos de Aprendizagem” significam uma ruptura resoluta com todas as
formalidades sociais (todo casamento é nelas visto socialmente, casamento
desigual). Ele representa aqui a utopia de um pequeno círculo de seres humanos
que alcançam uma harmonia intensivamente humana num grau espiritualmente alto,
para através do efeito propagandístico da exemplaridade – segundo Fourier –
deixar suceder outra expansão.
Só mais tarde, com um entendimento mais claro da
sociedade capitalista que se desdobra diante de seus olhos, nasce o contraste
bastante nítido do “pequeno e grande mundo”. Com a dedicação incondicional de
Goethe à “exigência do dia” da sua época que ele nem ignora nem combate, porque
ele não é mesmo um romântico, essa desunião de ambos os mundos, que sempre
serviu de base ao erotismo de Goethe e à sua criação, deve-se por em evidência ainda
mais bruscamente. Com a enérgica ênfase deste contraste a necessidade de sua
solução mental-utópica, poeticamente do além recebe, todavia ao mesmo tempo,
uma ênfase ainda mais forte. O céu católico do fim é assim a harmonia humana e
a perfeição, crescidas do “pequeno mundo”, unidas com a perfeição sem
fronteiras do “grande”, com um eterno avançar do desdobramento da personalidade
com base na ajuda e no ”ensinar” recíprocos, de um avançar sem emprego das
forças mefistofélicas. Tudo isso Fausto tem de aprender no céu com Gretchen.
O caminho para esta perfeição era o caminho de
Fausto para a prática. Por isso Goethe cria, como já mencionado, não o arrependimento
posterior de Fausto, mas a sua cura das feridas do trágico através de uma nova
relação com a natureza, com a vida, com a prática. E esse modo de vencer o
trágico não significa nenhum esquecimento, nenhum passar por cima leviano sobre
as vítimas, mas justamente o corajoso reconhecimento do lado de cá, da
insolubilidade socialmente presente de tais conflitos trágicos em exigência
ininterrupta de uma solução para o gênero humano que realmente ultrapassa isso.
Quando Helena desaparece e sua roupagem torna-se uma nuvem mágica para Fausto,
que o leva embora rapidamente “sobre todo o comum”, ele vê, chegada a uma
região rochosa solitária, esta roupagem esvoaçar paulatinamente em quadros de
nuvens primeiramente no de Juno, Leda e Helena; mas então um ultimo:
“Engana-me uma imagem encantadora,
Como o primeiro bem da juventude, o mais longamente
carecido e supremo?
Do mais fundo do coração os mais prematuros amores
brotam:
O amor das auroras, um leve ímpeto significa-me
isso,
O olhar rapidamente sentido, primeiro, quase não
compreendido,
O qual, retido, sobrebrilha todo o amor.
Como a beleza da alma intensifica-se a forma
amável,
Não se dissolve, levanta-se em direção ao etéreo
E leva embora consigo o melhor do meu interior”.
Com esta imagem, com a imagem da aurora (alva) de
Gretchen na alma, Fausto recusa então a tentação de Mefistófeles de dar a ele
“os reinos do mundo e suas magnificências”, e se decide pelo caminho da prática
pessoalmente cheia de resignação, só dedicada à coisa. Visto exterior e
psicologicamente isto é seu maior distanciamento do “pequeno mundo” de Gretchen
e d a sua harmonia intensiva; mas do ponto de vista da filosofia da história
goetheana ele trilhou justamente aqui o caminho correto. Exatamente aqui nasce
o campo de batalha no qual o mefistofélico de Fausto é combatido inutilmente
com a maior consciência e a maior energia, se bem que igual tragicamente para o
presente. Mas também esta tragédia manda sair do puramente trágico. Na
subjugação Fausto salva a essência mais interior da personalidade humana, ele
abre o cominho para a salvação do gênero humano utópica do além.
“O eterno feminino atrai-nos para ele” -: não
gratuitamente isto é a última palavra não só do poema de Fausto, mas também do
poeta Goethe. É a sua última profissão de fé sobre a possibilidade de uma
perfeição terrena do ser humano, de
uma perfeição do ser humano como personalidade físico-espiritual, de uma
perfeição na base do domínio do mundo exterior, da elevação da própria natureza
para a espiritualidade, cultura e harmonia, sem anular a sua naturalidade.
Desde “O Banquete” de Platão e a Beatrice de Dante
nunca o amor teve tal peso na imagem do mundo de um gênio. Mas o amor em Platão
e em Dante é segundo a essência do além e ascético. Goethe, contemporâneo e
também combatente daquelas tendências que se tornaram as “três fontes do
marxismo”, é segundo a essência de todo terreno, inteiramente do lado de cá. A
forma esteticamente católica do final só pode enganar românticos reacionários
ou superficiais liberais.